Na manhã do dia 11 de fevereiro, memória de Nossa Senhora de Lourdes,
fomos colhidos pela notícia espantosa de que o Santo Padre, o Papa Bento XVI,
renunciou ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro.
Em discurso ao Consistório dos Cardeais reunidos diante dele, o Papa
declarou que o faz "bem consciente da gravidade deste ato" e
"com plena liberdade".
É evidente que a renúncia de um Papa é algo inaudito nos tempos
modernos. A última renúncia foi de Gregório XII em 1415. A notícia nos deixa a
todos perplexos e com um grande sentimento de perda. Mas este sentimento é um
bom sinal. É sinal de que amamos o Papa, e, porque o amamos, estamos chocados
com a sua decisão.
Diante da novidade do gesto, no entanto, já começam a surgir teorias
fabulosas de que o Papa estaria renunciando por causa das dificuldades de seu
pontificado ou que até mesmo estaria sofrendo pressões não se sabe de que
espécie.
O fato, porém, é que, conhecendo a personalidade e o pensamento de
Bento XVI, nada nos autoriza a arriscar esta hipótese. No seu livro Luz do
mundo (p. 48-49), o Santo Padre já previa esta possibilidade da renúncia.
Durante a entrevista, o Santo Padre falava com o jornalista Peter Seewald a
respeito dos escândalos de pedofilia e as pressões:
"Pergunta: Pensou, alguma vez, em pedir demissão?
Resposta: Quando o perigo é grande, não é possível escapar. Eis por que
este, certamente, não é o momento de demitir-se. Precisamente em momentos como
estes é que se faz necessário resistir e superar as situações difíceis. Este é
o meu pensamento. É possível demitir-se em um momento de serenidade, ou quando
simplesmente já não se aguenta. Não é possível, porém, fugir justamente no
momento do perigo e dizer: "Que outro cuide disso!"
Pergunta: Por conseguinte, é imaginável uma situação na qual o senhor
considere oportuno que o Papa se demita?
Resposta: Sim. Quando um Papa chega à clara consciência de já não se
encontrar em condições físicas, mentais e espirituais de exercer o encargo que
lhe foi confiado, então tem o direito – e, em algumas circunstâncias, também o
dever – de pedir demissão.
Ou seja, o próprio Papa reconhece que a renúncia diante de crises e
pressões seria uma imoralidade. Seria a fuga do pastor e o abandono das
ovelhas, como ele sabiamente nos exortava em sua homilia de início de
ministério: "Rezai por mim, para que eu não fuja, por receio, diante dos
lobos" (24/04/2005)."
Se hoje o Papa renuncia, podemos deduzir destas suas palavras
programáticas, é porque vê que seja um momento de serenidade, em que os
vagalhões das grandes crises parecem ter dado uma trégua, ao menos temporária,
à barca de Pedro.
Podemos também deduzir que o Santo Padre escolheu o timing mais
oportuno para sua renúncia, considerando dois aspectos:
Ele está plenamente lúcido. Seria realmente bastante inquietante que a
notícia da renúncia viesse num momento em que, por razões de senilidade ou por
alguma outra circunstância, pudéssemos legitimamente duvidar que o Santo Padre
não estivesse compos sui (dono de si).
Estamos no início da quaresma. Com a quaresma a Igreja entra num grande
retiro espiritual e não há momento mais oportuno para prepararmos um conclave
através de nossas orações e sacrifícios espirituais. O novo Pontífice irá
inaugurar seu ministério na proximidade da Páscoa do Senhor.
Por isto, apesar do grande sentimento de vazio e de perplexidade deste
momento solene de nossa história, nada nos autoriza moralmente a duvidar do
gesto do Santo Padre e nem deixar de depositar em Deus nossa confiança.
Peçamos com a Virgem de Lourdes que o Senhor, mais uma vez, derrame o
dom do Espírito Santo sobre a sua Igreja e que o Colégio dos Cardeais escolha
com sabedoria um novo Vigário de Cristo.
Nosso coração, cheio de gratidão pelo ministério de Bento XVI, gostaria
que esta notícia não fosse verdade. Mas, se confiamos no Papa até aqui, porque
agora negar-lhe a nossa confiança? Como filhos, nos vem a vontade de dizer:
"não se vá, não nos deixe, não nos abandone!"
Mas não estamos sendo abandonados. A Igreja de Cristo permanecerá
eternamente. O que o gesto do Papa então pede de nós, é mais do que confiança.
É fé!
Fé naquelas palavras ditas por Nosso Senhor a São Pedro e a seus
sucessores: "As portas do inferno não prevalecerão!" (Mt 16, 18).
Estas palavras permanecem inabaláveis através dos séculos!